sexta-feira, 27 de março de 2009

Interessante relato de um jovem brasileiro na Europa em momentos de crise econômica

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Publicamos abaixo a íntegra do interessante relato de um amigo da Juventude Revolução que está viajando pela Europa. Luiz está na Irlanda fazendo curso de inglês e batalhando para conseguir emprego e nos conta como anda a situação por lá nesse período de crise econômica. Vale muito à pena ler este texto. Segue.
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Camaradas
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Realmente a coisa tá feia por aqui.
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Atualmente estou em Dublin - Irlanda. Fazendo um curso de inglês e procurando trabalho. Há muitos brasileiros, mas muitos mesmo, porque o governo concede visto de 1 ano para quem estuda meio ano, e isso dá direito a trabalho -- então a idéia da maioria de quem vem(assim como quem vos fala) é a de aprender bem inglês, estudar bastante, e trabalhar para pagar o que gastou, viajar um pouco e se der trazer algum dinheiro de volta.
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No meu caso se tudo der certo - primeiro eu me manter aqui e segundo a burocracia andar - farei um semestre de intercâmbio (daí acadêmico, entre universidades) em Paris.
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Voltando à "feia situação". Não há trabalho. Ou há, mas tá muito difícil. Estou ralando muito, na segunda feira andei vários quilômetros entregando CV diretamente nos establecimentos, entreguei quase 100. E todos os dias é uma média dia 30, 40. Há alguma esperança de que a partir de agora - com o clima esquentando - a situalção melhore. Mas a atmosfera não está boa. Como o Estado aqui dá muitas condições de vida, há muito desempregado que não está em situação calamitosa, porque ganham ótimos seguros-desemprego. Então continua gente gastando e tal. Mas a previsão é que na Irlanda haja muito desemprego neste ano. A Irlanda é um dos países que mais cresceu na União Européia, e é um dos países mais caro(Dublin é muito cara para viver, tenho amigos madrileños, por exemplo,que dizem ser a capital irlandesa 3x mais cara do que MAdrid), em compensação tem o melhor, ou um dos melhores salários da Europa ( o mínimo é 8 € a hora; mas em geral consegues empregos pequenos, em bares, cafés, e eles pagam 10€, 9€ (isso porque tu és estrangeiro... por mais que legal, ilegal é 7 ou menos)- eu quase consegui num café para ganhar 9€ a hora). O custo de vida é muito caro, a comida é muito cara, a moradia... Atualmente estou morando num hostel - até me mudar para um apartamento bem barato, o hostel é bom porque é barato pra caramba e tem um bom café da manhã, e tem um monte de deusas (sobretudo espanholas e italianas) que volta e meio pairam por aqui e tu ficas babando... rsrssrsrs
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A primeira semana aqui fiquei em uma casas de família. Não fiquei mais porque era caro e muito longe do centro. Mas de antemão a mulher disse que a situação era desanimadora para os irlandeses, para os europeus em geral. "Ah, Luiz, muitas famílias perderam emprego desde o ano passado, muitas mesmo". De certo modo essas famílias que perderam emprego não farão - a princípio - aquilo que eu, e outros estrangeiros *(estudantes que estão aqui para batalhar ou simplesmente imigrantes que estão ralando para sustentar-se e/ou sustentar suas famílias) estão dispostos. Por exemplo, o que comentamos aqui é que o irlandês que trabalhava no banco, em algum setor técnico de alguma empresa, em um escritório, etc, não vai pra cozinha, não vai trabalhar de garçom, não vai trabalhar na limpeza, servindo café e chá, repondo estoque de cerveja, etc etc. Isso a princípio, até a gordura do Estado estourar, e o seguro desemprego acabar, ou coisa assim.
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Na imigração, quando vais pegar o visto de um ano, é incrível o número de estrangeiros. é algo impressionante. Cheguei lá 8h da manhã na quinta (e olha que tinha ido no dia anterior mais tive que voltar porque a fila era imensa), e saí só Às 15h45. A maior parte era de orientais - China, Malásia, etc etc; africanos - Ilhas Maurício, vários países da África; leste europeus - Poloneses, Lituanos, etc; árabes; brasileiros(a maioria jovem em situações próximas a minha - aperfeiçoar bem o inglÊs, trabalhar, na idade também próxima ou um pouco mais velhos, depois que terminaram a faculdade e antes de "entrar no mercado de trabalho no Brasil", por mais que uma parte acaba ficando por aqui mesmo....); alguns outros latinos. Daí ficas pensando porque tem tanta gente, o porquê de eles aceitarem tanta gente de fora! Claro! Isso é necessário para eles pagarem merreca, para ter excesso de gente, para não faltar empregado. Patrão gosta de ter opção. Em SC na loja de praia da minha mãe, em que fico sempre responsável no verão, daí tens que contratar umas 2 ou 3 meninas, além das 2 que já são fixas, só para aguentar o forte movimento no verão. Então, tens que ter uma grande reserva de currículuns. Começas a ligar e chamar para fazer teste. Quando umas três não são adequadas, e tu tens que rapidamente arrumar funcionário - começas a te desesperar, porque perdes clientes, e a coisa vai ficando ruim, daí o patrão realmente não sabe o que faz. Principalmente quando vê que as opções são poucas e tem que aceitar o que veio, mesmo quando não se encaixa exatamente no perfil da empresa. Enfim, em todo o lugar é a mesma coisa.
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Para arrumar emprego, mesmo sub-emprego, a situação naõ está ruim apenas para os imigrantes não europêus. Para os EU também. No hostel há espanhóis, franceses e alguns alemães. Os últimos não buscam muito emprego porque não precisam, daí só estudam. Os dois primeiros fazem coisas próximas a mim - estudam uma parte do dia em escola e depois trabalham(ou procuram trabalho). Em geral os franceses tem mais dinheiro, então a maioria dos espanhóis aqui não tem dinheiro para pagar a escola, e estão só a procura de emprego e estudando inglÊs autodidaticamente, na biblioteca(que há muitas e é tudo de graça para pegar tudo, isso é legal! podes pegar de tudo, a qualquer hora, tem muita coisa, só não estuda quem não quer), em casa. E para eles a dificuldade é a mesma. Por mais que podem trabalhar "full time", e os não-EU(como eu) somente 'part-time", somente conseguem arrumar trabalho "part-time", e quando conseguem, porque os bares, supermercados, restaurantes, pubs, cafés, hotéis, etc, só estão contratando assim para pagar menos e por haver pouco trabalho mesmo, pouco movimento.
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Uma coisa interessante aqui(como outras capitais européias) é o cosmopolitismo. Em cada metro quadrado é possível ouvir 5 ou mais diferentes línguas. Em uma avenida há gente do mundo todo. Mas definitivamente não ha´muita integração. Só brasileiro é mais integrado mesmo, mais aberto, mais comunicativo. Certamente aquele que tem mais alma. Apesar de essas coisas humanas não terem cor, nem nacionalidade, e sim serem de pessoa a pessoa. Outrossim, quando a coisa aperta, é cada um pro seu canto, com seus conterrâneos, daí parece que tudo é meio entre bloquinhos - ou até máfia. Por exemplo, já desisti de entregar currículum em restaurante chinês, pois desde a cozinha até o cara que limpa a mesa, é só chinês, quer dizer, "aqui só entra chinÊs". Isso acontece, as vezes, com lugares de africanos, poloneses, lituanos, árabes, etc. E até de brasileiros. Um dos lugares em que me chamaram foi porque tinha vários brasileiros trabalhando e a patroa gostava de brasileiros. Com italianos um pouco mesmo, e já dos irlandeses a coisa é bem mesclada. É que tens que estar disposto a trabalhar, quase como dizer "ei, estou aqui pronto para ser escravo, trabalhar pra caralho, tudo bem?", então não importa de onde vens contanto estejas disposto ao trabalho.
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A população local é muito educada. O irlandês é muito educado e sorridente. Muito beberrões, e muito drogados também. São polidos como os ingleses, mas sem a cara amarrada. A quantidade de jovens é imensa e de crianças também. Muito cuidado com a beleza, muita mulher bonita. REalmente um país jovem para os padrões europeus. Por isso também a noite aqui é muito movimentada, com muito turista e estrangeiros. Dá para dizer que quase metade da cidade é de estrangeiros. Nos bairros é um pouco menos, mas também muito estrangeiro vivendo.
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Algo que começam a comentar aqui é sobre o excesso de estrangeiros aceitos no país. Ainda não é nada igual à Inglaterra, onde até EU são rechaçados pela população(como vários espanhóis que conheci, quando perguntava porque não foram para o REino Unido, para ganharem em libra, disseram isso), que a coisa lá tá bem mais complicada e há mais protestos, alguns até contra estrangeiros. Já vi vários protestos em Dublin, desde trabalhadores de uma única fábrica parando uma avenida, até os trabalhadores da imigração(funcionários públicos) contra os cortes nas verbas do governo. Na semana em que cheguei havia tido um muito grande, que reunira mais de 100 mil pessoas nas ruas, contra o desemprego. É 100 mil mesmo, isso li nos jornais, até achei estranho toda essa quantidade, mas foi o que eu li, e reli para ver se não estava escrito errado ou se estava lendo direito o que estava em inglês. Mais protestos estão sendo anunciados. Nessa semana os motoristas de ônibus irão fazer greve(aliás, o sistema aqui é uma merda, muito ruim e caro, em média se paga 2€ para andar de ônibus é é muito ruim, poucos horários, ficas muito tempo esperando, os motoristas estão sempre estressados(pelo ao menos àqueles aos quais me deparei), e outras categorias estão também comentando paralizações futuras.
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Pois bem, há muito alarde, mas a vida "aqui embaixo" é diferente, ela corre. Então há várias crises, uma real, uma fnanceira, uma televisiva, uma de emprego real, temporária. E há uma só, que é a crise do próprio sistema, que engloba de certa parte um pouco de todas essas anteriores. Porque o mais complicado nesse sistema que permeia a relação entre as pessoas se dar através de uma moeda de troca, algo bastante desnivelado. E quando falta dinheiro a gama de relações que tens parece que vai se esvaindo. Não há espírito de relação no mercado, ou há matéria de troca, ou não há nada. Você não é nada sem dinheiro, definitivamente, dentro dessa bolha. Por isso há essa coisa de corrosão do caráter, porque sem o dinheiro para rodar a roda das relações que a grana da acesso, não tem a noite badalada, não tem as mulheres maravilhosas, não tem as mais diferentes e saborosas cervejas, não tem as maravilhosas comidas, etc etc e etc. Sobra um mísero pedaço de chocolate polonÊs que consegues comprar no mercado negro a um preço baratéssimo, e pão com ovo (o ovo do supermercado mais barato, o pão daqueles que pegas do café da manhã oferecido e guardas sorrateiramente na geladeira para não ter que comprar no supermercado), e muito macarrão(porque é muito barato), rsrssrrs. Naõ que as coisas são assim, mas dentro do sistema é assim que funciona, há um start que é pelo papel-moeda, e só com eles "és valor", senão, "sorry my friend, please go out". rsrsrsrs
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Não consegui fazer muitos contatos revolucionários aqui. Apesar de que toda a conversa é uma porta aberta para um novo horizonte. Desde grandes amigos, como os que escrevo, até pequenos contatos. Ou então um amor aqui, outro ali com alguma estudante de passagem ou permanecendo por aqui.
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Na primeira semana vi um monte de anúncios anarquistas. Perdi a hora da reunião, mas consegui ir até a feira de livros. Muito caros, não comprei nada. Fiz alguns contatos, pedi que enviassem email. Daí depois me convidaram para uma festa anarquista. Claro que fui, mas na entrada tinha que pagar 8 € para a festa anarquista!! rsrrsr, disse para o cara que não tinha (e naõt tinha mesmo na hora, não ia sacar grana só para ir lá, por mais que fosse legal e tal), daí o cara disse "ohh, i'm sorry), rsrsrs, daí retornei. Quem sabe se tivesse insistido eu entraria, mas acho que ele acho que eu fosse europeu, com grana e só naõ queria pagar. Muitas vezes me confundem com francês ou italiano, depende de como pronuncio algumas palavras em inglÊs, ou então pela cara mesmo. MAs enfim, vou ficar na luta pelo trabalho e por qualquer movimento que surgir por aí.
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seguimos na luta,
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abraços,
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Luiz C R Jr.
mens sana...
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